sábado, 17 de julho de 2010

Protesto



Labaredas, calor e uma vida esvaindo-se sem sequer um suspiro, um gemido de dor ou uma palavra final. O fogo que por longo tempo foi denominado origem da vida, desta vez tira uma. De forma silenciosa e lenta lambe o corpo nu do homem, consumindo-o, enegrecendo-o, tirando-lhe as expressões que imagino, em outrora eram lívidas e cheias de ternura.
Essa imagem perseguiu-me em pensamento por dias a fio depois de tê-la visto pela primeira vez. Vinha em flashes, em partes fragmentadas, até o monge estar por completo queimado. Sim, era um monge, um monge vietnamita, o qual o nome me é desconhecido.
Em forma de protesto contra um governo repressivo e autoritário, no ano 1963, este, como outros monges resolveram protestar com a própria vida.
Calmamente embebeda seu corpo em gasolina e se senta em uma rua movimentada, a qual escolheu para ser o último lugar no qual estaria. Acende destemidamente um fósforo e joga em si... Começa uma meditação profunda, sua última... Pelo menos nesta vida.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Receita: Café



Se quiser, clique no texto para ampliar.
Texto baseado no quadro "Café" de Candido Portinari e no poema "Meninos Carvoeiros" de Manuel Bandeira.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Carta

São Paulo, 15 de junho de 2010

Prezada cidade,

Desde a década de 30, o destino de meninos abandonados como eu é furtar. Abandonados pelos pais, ninguém nos acolheu, estávamos sujos nas ruas e a única solução foi aprender.
Aprendi que, mesmo nos semáforos, com o surgimento dos automóveis, não aceitam nos ajudar.
Aprendi que, para ter, é preciso roubar.
Aprendi a fugir da FEBEM, prisão e de qualquer lugar hostil que você, cidade, tentou me levar.
Aprendi que há centenas de garotos como eu no mesmo patamar. E, mesmo que digam que a sociedade é uma só, eu lhes afirmo: uma nova sociedade construímos, mais justa e leal, onde tudo é de todos e nosso líder é como nós.
Sim, a maioria dos garotos abandonados não tem noção do que eu vou lhe dizer, nem você mesmo tem, cidade, mas colocamos em prática o que até hoje você não conseguiu: o socialismo científico. Não, não é utópico, vivemos em igualdade, do nosso jeito e nosso Estado é nosso líder.
Cidade, até que você nos dê direitos, viveremos com nossos direitos de furtar, cheirar, esmolar, transar, viajar, tapear, conversar, ler, aprender, sofrer, crescer, e sobretudo, viver.
Por isso, eu, o Professor dos Capitães da Areia, venho por meio deste lhe alertar que: seja no Brasil de 30, com a queda do movimento no cais e consequentemente dos alimentos por causa do “crash de 29”; ou mesmo no Brasil de 70 com a ditadura militar; ou hoje, em 2010, você não vai conseguir nos ajudar.

Atenciosamente,

Professor, em nome de todos os meninos abandonados.


Texto baseado no livro "Capitães da Areia" de Jorge Amado e na música "Pivete" de Chico Buarque